Ensaio Liion Supermoto – potencial enjaulado

O sonho de construir uma moto de raiz pode não ser fácil de concretizar, mas com trabalho e dedicação (e uma empresa pelo meio), tudo é possível. Foi no Kartódromo do Bombarral que a Supermoto Liion circulou pela primeira vez “livre” e a libertar todo o seu potencial. E nós estivemos lá!

TEXTO: João Fragoso / FOTOS: Rui jorge

Durante o mês de fevereiro tivemos a oportunidade de testar uma supermoto especial. E especial em vários sentidos. Estamos a falar de uma moto construída em Portugal, por uma empresa portuguesa que se dedica ao fabrico de acessórios para motos de enduro, com ofoco principal nos pousa-pés de passeiro. A empresa que estamos a falar é a Axiis, fundada em 2015 com um simples objetivo: financiar um projeto de construção de um protótipo de uma moto, apontando para a criação de uma futura marca com diversos modelos.Naturalmente, Diogo Pereira e Miguel Morgado (sócios da empresa) procuraram colmatar uma lacuna no mercado das motos de enduro, financiando em simultâneo um sonho antigo.A Axiis serviu, não só como uma ajuda financeira, mas também como um meio para adquirir conhecimento no mundo das duas rodas e conseguir criar um protótipo digno de receber investimento, para entrar em produção. Sete anos após a fundação da empresa, e tantos outros de desenvolvimento da moto, a Liion saiu da fábrica para as primeiras voltas num circuito. E podemos dizer que os sorrisos de toda a equipa revelam que o esforço foi recompensado. O facto de ser uma moto elétrica deve-se à certeza de que a melhor moto que a equipa conseguia construir era movida a energia elétrica. Ainda assim, não podemos dizer que esta supermoto esteja aquém de uma moto premium, no que toca aos componentes.

Especificações que assustam

A Liion, protótipo único da Axiis, chama muito a atenção pelos componentes que equipa. Um mono amortecedor traseiro Ohlins TTX GP, suspensão dianteira WP com 209 mm de curso, travagem com bomba e pinças Brembo de 4 êmbolos, monobraço e um quadro de dupla trave com caixa de bateria estrutural, sem soldaduras e maquinados em CNC a partir de blocos de alumínio. Há algo que chama também a atenção, o tamanho. O quão compacta é a Liion, apesar de ter uma distância entre eixos de 1429 mm. Mas o segredo não está no que se vê, mas sim no que esta super moto entrega quando nos preparamos para circular. Estamos a falar de uma bateria de 12 kWh, que alimenta um motor de 100 kW de potência (134 cv) e gera um torque de 720 N.m.. Sim, leram bem, não é engano. Mais, estamos a falar de apenas 133 kg,o que confere uma relação peso potência superior a um cavalo por quilo. Mas na prática,em que se traduz tudo isto?

Sensações diferentes

Por muito boas que sejam as especificações de uma moto, é importante que o conjunto funcione para que a sua condução seja prazerosa e eficaz.Sendo a Liion um protótipo, há naturalmente alguns aspetos a melhorar. Ainda assim, esta supermoto revelou estar num bom caminho de desenvolvimento, com uma base sólida e foco nos aspetos fundamentais.Na experiência de condução sentimos alguma falta de sensibilidade na roda traseira, devido à mola montada no amortecedor traseiro não estar de acordo com o peso da Liion. Isso prejudicou as sensações transmitidas e dificultou o aquecimento do pneu traseiro num asfalto algo frio (e em que as baterias exercem muito peso no trem dianteiro), não permitindo rodar a um ritmo um pouco mais alto. Ritmo esse que, por força do motor extremamente potente tentámos imprimir. Ainda sem a curva de potência programada, a entrega de potência é imediata, e a 35% de potência máxima, a Liion já exige muito cuidado na forma como abordamos a saída das curvas. Na dianteira sentimos mais confiança na aproximação às curvas, mas a elevada altura da moto deixa-nos reticentes em realizar uma abordagem mais agressiva. Contudo, sentimos que a suspensão WP trabalha de forma eficaz, em conjunto com o quadro, para uma boa leitura do piso. O longo monobraço tornaa moto muito estável, permitindo manter a roda dianteira no chão, desde que não sejamos demasiado agressivos com o acelerador. A velocidades mais baixas sentimos alguma dificuldade na transição de massas, muito por culpa da altura da moto, elevando bastante ocentro de gravidade, algo que desaparece quando o ritmo começa a aumentar. A travagem Brembo é bastante mordaz, parando a Liion de forma muito eficiente. Na traseira, a travagem é eletrónica e regenerativa, mas ainda não estava em funcionamento, pelo que não tínhamos qualquer forma de travar atrás, o que até transmitiu uma sensação de moto a dois tempos na entrada em curva. O feeling geral deste protótipo é de uma rigidez demasiado elevada, talvez por culpa maior do amortecedor traseiro. Ainda assim a sensação de diversão esteve presente desde o primeiro minuto. E essa sensação, associada a uma certeza de qual o caminho a seguir no desenvolvimento desta moto, deixa antever coisas muito boas.

O caminho a seguir

Podem estar a pensar que, até agora, tudo o que foi escrito não aparenta ser positivo sobre esta moto. Não é bem assim. É importante salientar a palavra “protótipo”. São feitos para serem testados e desenvolvidos, para uma futura peça de produção com melhores características. E se num protótipo é importante avaliar o que ele transmite, é igualmente ou mais importante perceber qual o seu potencial. Na verdade, a base é boa e sólida, com todos os envolvidos no projeto a saberem bem o que tem de ser melhorado, muito antes de nós sermos capazes de avaliar e transmitir feedback. Para isso é necessário investimento e tempo, que está longe de ser imediato. Felizmente para nós, foi-nos dada a oportunidade de testar esta supermoto numa etapa muito embrionário do projeto, que é colocar a moto acicular. O caminho a seguir está bem definido e as sensações que a Liion transmite, diria que são de que há muito potencial para ser libertado. Mesmo com algumas lacunas(naturais nesta fase), conseguimos perceber que há muito potencial na génese desta moto,aliado naturalmente à ambição de todos os envolvidos. Talvez por olhar para a ficha técnica,fiquemos a pensar que a Liion vai ser um colosso, mas ainda não. Com destaque para o“ainda”. O importante será conjugar de forma correta os componentes, afinando os pequenos detalhes de cada um, para que possam funcionar em harmonia e apresentar um conjunto sólido.

Futuro prometedor

Neste momento com o protótipo a circular, Diogo Pereira e Miguel Morgado procuraminvestidores que acreditem no potencial deste projeto. Mediante a quantia investida, serãodecididas as especificações finais da moto. Ou seja, o que a moto apresenta hoje em termosde suspensões, travões, rodas, não será necessariamente o que vai equipar a Liion nofuturo. Mas uma coisa é certa, o motor e a bateria continuarem com 100 kW e 12 kWh,respetivamente. Ainda assim, o objetivo será criar um modelo mais exclusivo e comcomponentes de topo (equivalentes ao protótipo, no que diz respeito à performance) numafase inicial, procurando uma produção mais avultado após o lançamento da marca para omercado. Tudo o que apontámos como melhoria na Liion, são pontos que toda a equipaestá ciente que necessitam de atenção e, mais importante, sabe como fazer para elevar aperformance da moto. Guardem esta 4ª edição da Revista Motociclismo. Daqui a um par deanos vamos certamente comparar a versão final da Liion com este primeiro protótipo.Acreditamos que este projeto tem um futuro prometedor e não vai ficar por aqui.

CAIXA

UM DIA INÉDITO

Apesar deste contacto ter sido conduzido, e bem, pelo meu colega João Fragoso, desde oinício que tentei estar presente neste trabalho. Não só para dar umas voltas, obviamente,mas para conhecer e dar os parabéns aos jovens portugueses que-mesmo com todas as dificuldades inerentes a um projeto deste tipo-não têm desistido e continuam cheios de vontade de comercializar uma moto em que acreditam verdadeiramente. Muito inteligentes e com os pés bem assentes na terra, os homens da Axiis necessitam apenas de uma oportunidade, pois tal como o João refere no texto, o potencial da moto está todo lá. Este foi mesmo um dia especial, aquele em que a Liion viu a luz do dia pela primeira vez e deu largas às suas asas para voar baixinho com o seu zumbido único.E já agora, espero que alguns humildes conselhos da minha parte ajudem ao desenvolvimento de uma moto ainda melhor. Continuação de um bom trabalho e até breve,aos comandos de uma Liion já com luzes e matrícula, eventualmente?!Fernando Neto